segunda-feira, 27 de junho de 2011

Carne

Reparo

Queria arrancar as tripas e o útero por completo, ver o sangue quente putrefar.
E antever o mistério de morrer. Um aborto, coágulos e contrações. Tem que haver alguma coisa depois. Um óasis de pureza e mansidão.O nirvana.

Não dizem por aí que só se aprende com os próprios erros?! Mas a morte, tão soberana maior, a que nos inconforma, não podemos vivenciá-la e aprender com ela. Porque sondá-la é chance única. Como afeitar-se ao grande amor, inédito para sempre.

De viver ou morrer por ele.
A cada momento.
Mesmo que ruídos de aviões lá fora e fios elétricos que se enovelam raspem em nossos pés embaixo da cadeira.

Há muita louça para lavar e o calor é insuportável.
Insuportável o sentimento de não sentir sequer o eixo da terra e sua rotação, dada redução de nossa compreensão.

Falta-nos compreender a morte, que pode ser bonita.
Como se perder num buraco negro, ou ir por aí a procurar - essas são as almas penadas risonhas - ameaçadoras para muitos ateus.

Assim vem a vida, sono e vigília, em doses homeopáticas e diárias de luz e sombra.
Cada dia.
Igual.
Trevas e luz. Ambos cegam.

E a carne fere e arde, mesmo que alguns consigam adaptar-se ou ignorar tal fenômeno.

O que os médicos, estripadores, anatomistas vêm por dentro de nosso corpo?
Alma? Não. Sangue, líquido, assim, como o oxigênio vital. Último suspiro.

Ao decaptarem-nos, em guilhotina, veríamos nosso corpo - sem sê-lo - levitar?

Rasgar a pele, até que doa, como dói aceitar que assim tem que ser.
Regar as plantas, se manter limpa, mulher atraente, calma - e o bafo do tempo à espreita.
Tranquilize-se, mas escolha bem o barbitúrico. De última geração.
Veja um filme e reviva algum momento bom enquanto espera na fila do banco.
Lágrimas ?! - Ao travesseiro ! Não sob qualquer luar ou circunstância. Acompanhado de amigo? Familiares então? Minta até o fim.

Enquanto eu espero - para não ferir minha frágil sensibilidade - um reparo; amarro o avental.
Minhas amigas se casaram, outras têm lindos filhos. Será que é bom? Escolhas irreversíveis também.
Como querer ver do buraco da fechadura de uma porta blindada, o reino mortal?

Como esperar sentada o que permanece imprevisível?

Sim, as sutilezas, as miudezas diárias. Tirar o pó, revirar livros e as fotos na estante, para que não mofem.

Mas... - Que mofem e apodreçam!
Não é assim que nos ensina o luto? A perda, o esquecimento, esse renovador de sonhos?

Sim, alimentar-se todo dia, cada um decide de que. Conforme o paladar e a capacidade de digestão.
Faz bem ao fígado? Pense bem, você envelhecerá.

Sempre há motivo para se emocionar. Sensibilidade, contudo, é disfuncional, principalmente estando-se entre homens. Fragilidade se costuma chamar fraqueza.

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